CLAIRE – PARTE 02
Depois de tomar banho e me arrumar, fiz uma chamada de vídeo para meus filhos.
- Oi, mãe! Feliz Natal!
- Feliz Natal, meus amores! Vocês estão bem?
Matheus e Clarice estavam extasiados com a cidade. Agora eles queriam morar em Londres. Nunca que eu iria permitir isso! Ficar longe de meus filhos? Jamais!
Levei o telefone até meus pais e sobrinhos. Minha mãe ficou emocionada e chorou.
- Vocês deveriam estar aqui com sua mãe e com toda a família.
- Ah, vó! Aqui é muito maneiro! Vocês que deveriam estar aqui com a gente!
Nicolas só queria saber sobre Hogwarts, a escola de bruxaria do filme “Harry Potter”. Fez tantas perguntas!
- Tia, você me leva para Londres?
- Quem sabe um dia?
Depois de falarem com todos, me despedi de meus filhos. Sentia um aperto no coração... Minha mãe estava certa. Eles tinham que estar aqui, comigo. Mas se eles estavam felizes, era o que importava.
Aos poucos foram chegando os convidados. Álvaro foi um dos primeiros. Parecia que o bairro inteiro estava na festa. Eu me lembrava muito pouco das pessoas e, conforme minha mãe ia apresentando, eu começava a saber quem eram.
Mamãe chamou a todos para o jantar. Havia tanta comida! Pernil, chester, peru, arroz, saladas, frutas. Após a ceia, as pessoas se abraçaram e desejaram feliz natal uns aos outros.
Servi-me de uma taça de vinho, fui para a varanda e sentei no banco de madeira que não era do meu tempo. Álvaro se aproximou.
- Está uma noite agradável.
Afastei-me, dando lugar para Álvaro se sentar.
- Sim! A noite está muito agradável.
- Claire...
Álvaro colocou suas mãos em meu pescoço e me beijou.
- Desculpe. Claire, me perdoe, por favor. Eu não deveria ter feito isso.
Ele estava muito nervoso, constrangido.
- Está tudo bem, Álvaro.
Ele se levantou e foi para a porta de entrada, mas voltou.
- Claire, eu te amo! Sempre te amei! E me odeio por nunca ter tido a coragem de falar de meus sentimentos por você. Se eu tivesse feito isso quando ainda estávamos no colégio, talvez você não teria se casado com Carlos Eduardo. Mas agora que você não está mais casada, agora que você voltou, sinto que tenho uma chance de te ter você...
- Desirèe…
Aquele sussurro novamente.
- Você ouviu isso?
- O que?
Levantei-me e desci as escadas da varanda.
- Claire?!
- Desirèe, mon amour!
- Quem está aí? Apareça!
- Claire, com quem você está falando? Não tem ninguém ali.
- Você não está ouvindo essa voz?
- Eu não ouço nada!
- A voz chama por um nome... Desirèe.
- Quem é Desirèe?
- Eu não sei. No teatro ouvi a mesma voz dizendo este nome.
A voz continuava chamando por Desirèe e, instintivamente, eu ia em direção àquela voz. De repente, começou um vento forte.
- Claire, vamos entrar. Acho que vai chover.
Quando me virei para subir as escadas que davam para a varanda, vi Álvaro sendo jogado contra a parede.
- Álvaro!
Ele estava sangrando na testa.
- Álvaro, fala comigo.
- Claire... O que aconteceu?
- Você voou contra a parede.
- Voei? Como?
- Não sei. Você pode se levantar?
Ajudei Álvaro a se levantar e, antes de conseguirmos entrar na casa, um homem apareceu na nossa frente. Ele pegou Álvaro, levantando-o pelo pescoço e o mordeu!
- Solte-o! – Gritei.
Mas o homem continuou mordendo o pescoço de Álvaro, até ser jogado ao chão. Eu corri, mas o homem conseguiu me alcançar.
- Não! Solte-me!
- Claire, acorde!
- Mãe? Onde ele está?
- Quem?
- O homem! Ele matou Álvaro.
- Você teve um pesadelo, minha filha.
- Mãe, você tem o número do telefone de Álvaro?
- Tenho, mas...
- Por favor, me dê o número.
- Filha, são quatro horas da madrugada, Álvaro deve estar dormindo.
- Mãe, me dê o número dele agora!
Telefonei para o número que minha mãe havia me dado, mas não atendia.
- Tem certeza de que este é o número certo? Não está atendendo.
- É tarde, ele deve estar dormindo.
Liguei novamente. Na quarta tentativa, ele atendeu.
- Álvaro, você está bem?
- Claire?!
- Diga-me, você está bem?
- Estou. Por que está me ligando a essa hora? Aconteceu alguma coisa?
- Você está bem mesmo?
- Estou bem, Claire. O que houve?
- Ok. Desculpe por telefonar a essa hora. Volte a dormir.
Desliguei o telefone e fui para a cozinha preparar um chá. Na porta do meu quarto, estava toda a família.
- Tia, o que aconteceu?
- Sua tia teve um pesadelo. Está tudo bem agora, voltem a dormir. – Disse minha mãe.
Coloquei a água para ferver e procurava um chá, mas não encontrei.
- Droga! Onde a senhora esconde os chás desta casa?
- Sente-se, Claire. Eu vou preparar o chá pra você.
Tomei o chá e aos poucos fui me acalmando.
- Desculpe-me, mãe.
- Pelo que, filha?
- Por gritar com você.
Minha mãe me abraçou.
- Não precisa se desculpar, Claire. Você estava assustada com o pesadelo. Quer me contar?
- Não. Quero esquecer.
Terminei de beber o chá e voltei para a cama.
- Boa noite, minha filha. Se precisar, me chame.
- Obrigada, mãe. Boa noite.
Não consegui dormir e vi o dia clarear. O céu estava escuro e o vento balançava os galhos da árvore que ficava na minha janela. Senti cheiro de café sendo coado. Levantei, me vesti, fui à cozinha, peguei o café e fui para a varanda. Estava frio, muito frio. E era verão!
Minha mãe voltava da rua com um saco enorme nas mãos.
- Bom dia, minha filha! Como você está?
- Estou bem.
- Entre! Está muito frio aqui fora. Esse tempo é maluco mesmo. Em pleno verão, o inverno resolveu aparecer. Trouxe pão quentinho.
Minha mãe e eu tomamos o café da manhã, enquanto ela falava do Seu Moacir, dono da padaria.
- Ele é um velho safado e sem coração. O corpo da esposa mal tinha esfriado e logo ele se engraçou com a filha da Dona Geralda, uma criança! Acredita que ele se casou com ela?
- A filha da Dona Geralda não é a Griselma?
- Você se lembra! Isso mesmo!
- Mãe, Griselma tem a mesma idade que eu, não é uma garotinha.
- Perto daquele velho, ela é sim. Seu Moacir está beirando os 80 anos. Pobrezinha da Griselma. Imagina ela sendo obrigada a se entregar para aquele velho? Sinto nojo só de pensar.
- Mãe, ela escolheu se casar com ele. Devem ser felizes.
- Ele com certeza é feliz por se casar com uma mulher tão jovem e tão bonita. Mas ela? Coitada!
Minha mãe continuou falando e falando e falando...
Meu cunhado chegou e nos cumprimentou com um beijo no rosto.
- Bom dia!
- Bom dia, meu genro! Dormiu bem?
- Muito bem. Você está melhor, Claire?
- Estou sim, obrigada.
A campainha tocou e eu fui atender. Era Álvaro.
- Bom dia, Claire!
- Bom dia. Entre.
- Não quero incomodar, só vim saber se você está bem. Fiquei preocupado.
- Estou bem. Já tomou café da manhã?
- Ainda não.
- Então, venha. Minha mãe comprou pão para um batalhão.
Ele sorriu e entrou.
- Álvaro! Chegou na hora! Sente-se! Vou pegar uma xícara para você.
Aos poucos, toda a família foi chegando e se sentando à mesa para o café da manhã.
- Você não tinha parado com os pesadelos, Claire?
Todos olharam para Luna.
- O que foi? Por que estão me olhando desse jeito? Vocês não sabem, mas quando éramos crianças e adolescentes, Claire nos deixava atordoados com os pesadelos dela. Gritava toda noite. Pensei que ela estava curada disso.
- Curada por quê? Ter pesadelos não é doença, mãe.
- Natasha, para a sua tia é doença sim. Tanto que ela precisou ir ao psiquiatra e os pesadelos acabaram. Graças a isso, podíamos ter uma noite tranquila de sono.
Minha irmã não perdia a oportunidade de ser desagradável. Até Luna mencionar, eu não me lembrava de ter pesadelos quando era jovem.
- Você deveria voltar a fazer terapia. Vai ser difícil ter que acordar todas as noites com seus gritos histéricos.
- Luna! – Gritou minha mãe. – Hoje é Natal e devemos compartilhar apenas amor e compreensão. Se você não conseguir fazer isso, pode ficar em seu quarto.
Todos ficaram em silêncio. Minha sobrinha começou a tirar a mesa e levou a louça para a pia. Luna se levantou e estava saindo da cozinha, quando minha mãe a chamou.
- Luna, lave a louça do café da manhã e limpe o fogão.
- Eu?!
- Deixe tudo limpo e depois arrume a mesa de jantar para o almoço.
- Mãe...
- Nem mais uma palavra. Apenas faça o que eu disse.
Luna estava visivelmente irritada. Minha mãe olhou para mim e piscou. Saí com Álvaro para a varanda e nos sentamos no banco. No mesmo banco do meu pesadelo.
- Agora entendo.
- Entende o que, Álvaro?
- O ódio entre você e sua irmã. Só não sei porque isso começou.
- Para falar a verdade, nem eu sei.
- Seria porque sua irmã é o demônio?
Eu gargalhei.
- Talvez.
- Claire, seu pesadelo foi comigo, não foi?
- Foi sim. Mas não quero falar sobre isso.
- Está bem. Gostaria de dar um passeio?
- Com esse tempo?
- Com esse tempo é que vai ser legal o passeio. Quero te levar a um Pub que abriu no mês passado.
- Mas hoje é feriado, não está fechado?
- Eles só fecham às segundas-feiras. Normalmente, só abrem à noite, mas, com o tempo assim, com certeza está aberto. Quer ir?
- É. Acho que vai ser bom sair daqui. Vou me arrumar, me espera?
- Sempre!
Vesti uma roupa bem quente e fiz uma maquiagem leve. Estava descendo as escadas, quando minha sobrinha me chamou.
- Tia, aonde você vai?
- Vou a um Pub com Álvaro.
- Uau! Posso ir com vocês?
- Natasha, você é menor de idade, não sei se deixariam você entrar.
- Durante o dia deixam sim.
- Como você sabe disso?
- Ah, eu tenho meus contatos!
- Que contatos? Quem você conhece aqui?
- Não conheço ninguém, mas... Tia, você já ouviu falar em Internet?
- Deixa de ser boba, garota!
- Logo que soube que iríamos passar o Natal aqui, eu fiz umas pesquisas e entrei em grupos de redes sociais locais e a galera me falou sobre os points mais badalados da cidade e esse Pub está na categoria cinco estrelas. Posso me arrumar?
- Hmmm.
- Por favor, tia!
- Tá. Te espero na varanda.
- Yes!
Na varanda, minha mãe conversava com Álvaro.
- Álvaro estava me contando que vocês vão sair.
- Sim. Natasha vai conosco. Você se importa, Álvaro?
- De forma alguma. Ela vai gostar, tem muitos jovens da idade dela.
Natasha chegou aflita.
- Vamos logo, tia, antes que minha mãe me veja sair.
- Você não pediu pra ela?
- Está louca? Ela jamais me deixaria entrar em um Pub, ainda mais indo com você. Desculpe, tia.
- Tudo bem. Mas você não pode sair sem o consentimento dela.
- Meu pai consentiu. Ele é o cara! Vamos logo, antes que ela apareça.
Entramos no carro e minha mãe acenou.
- Divirtam-se!
O bar era aconchegante e estava lotado. Como Álvaro disse, havia muitos jovens entre os frequentadores. Vi Natasha indo direto para uma mesa e cumprimentando um grupo de adolescentes. Eu fui atrás.
- Natasha?
- Galera, essa é a minha tia, aquela que falei para vocês.
- Oi, tia! – Disse o grupo, parecendo um coral afinado.
- Oi. Vocês se conhecem?
- Tia... Internet. Lembra?
- Ah, claro! Eu vou estar ali no balcão. Se você precisar...
- Fica tranquila. Vou ficar bem.
Sentei-me no bar, estrategicamente, para ficar de olho em minha sobrinha.
- Uma loucura, não é?
- O que, Álvaro?
- Os jovens de hoje. Conversam pela internet e de repente, são os melhores amigos de infância.
- É o progresso! Ou o regresso! Não sei mais.
Álvaro sorriu.
- Não se preocupe, ela vai ficar bem.
- Foi o que ela disse. Mas cuidado nunca é demais.
Álvaro parecia estar familiarizado com o ambiente. Ele conhecia quase todos os drinks e me fez experimentar vários.
- E então?
- Você tinha razão, Álvaro. São suaves e deliciosos!
Pouco mais de uma hora depois, vi Natasha com um garoto. Pareciam tão íntimos! Resolvi ver o que estava acontecendo.
- Tudo bem por aqui?
- Tudo ótimo! Tia, este é Rodolfo Bittencourt.
- Muito prazer. Bittencourt?! Tem alguma relação com a construtora?
- Sim. Meu avô era o dono, agora é meu pai.
- Você é filho de Larissa e Jaime Bittencourt?
- Isso mesmo! A senhora os conhece?
- Conheço. Estudamos na mesma escola. Eles não haviam se mudado para São Paulo?
- Sim. Mas, meu avô faleceu no ano passado e nós voltamos a morar aqui. Meu pai precisou cuidar dos negócios da família.
- Ah, eu não sabia que o senhor Gianni tinha falecido. Sinto muito.
Estranho minha mãe não ter falado sobre essa família.
Natasha me lançou um olhar de “cai fora daqui” e eu caí. Sentei no bar e, quando olhei, Natasha e Rodolfo estavam se beijando.
- Mas... Já?!
Álvaro riu.
- Claire, não está muito diferente do nosso tempo.
- Ah, está sim! Pelo que sei, esta é a primeira vez que eles se encontram, ela não sabe nada sobre ele.
- Com certeza eles sabem muito um do outro. Acredite!
- Você sabe quem é ele?
- Sim. É o neto do falecido Gianni Bittencourt.
- Caramba! Eu não sabia que ele havia falecido e, por incrível que pareça, minha mãe falou de todo mundo da cidade, mas não mencionou a família Bittencourt.
- Porque ninguém comenta sobre a morte dele.
- Por que não?
- Ele foi assassinado.
- Meu Deus! Como? Por quê?
- É um mistério. As pessoas contam diversas histórias de como ele morreu. Abduzido por extraterrestres e devolvido morto, estraçalhado por lobisomens, envenenado, e até que teve todo o sangue do corpo sugado por vampiros. Outros dizem que ele está vivo em algum lugar, que fugiu com uma de suas secretárias. Mas a verdade, é que ninguém sabe como e nem porquê e até hoje o assassino nunca foi encontrado.
Sangue sugado por vampiros? Como no meu pesadelo em que o sangue de Álvaro estava sendo sugado.
- Claire, você está bem?
- Sim. Só estou chocada com o que você contou. É muito triste. Álvaro, precisamos voltar. Minha mãe deve estar maluca, nos esperando para o almoço.
- Vou pagar a conta.
Tirei a carteira da bolsa e Álvaro me fez guardar.
- É por minha conta.
- Tá legal.
Fui para a mesa onde estava minha sobrinha.
- Natasha, está na hora de ir.
- Ah, não, tia!
- Ah, sim! Sua avó está nos esperando para o almoço.
- Tudo bem, Nat! Meus pais também me esperam para almoçar.
- A gente se vê à noite?
- Com certeza!
Eles se beijaram na boca, na minha frente!
- Natasha, você consumiu alguma coisa?
- Só um coquetel de frutas. Relaxa! Sem álcool. Aqui eles não vendem bebida alcoólica para menores.
- É bom saber disso! Me dê sua comanda para eu pagar.
- Rodolfo já pagou.
- Ok! Então, vamos?
Mais um beijo na boca. Ah, adolescentes! Uma fase que pode ser muito boa ou muito ruim. Espero que para Natasha seja maravilhosa.
Quando chegamos, já havia convidados na casa.
- Vocês demoraram! Pensei que fossem almoçar no tal pib.
- É Pub, vó! – Disse Natasha, dando risada.
- O que precisa que eu faça, mãe?
- Pegue o pernil e coloque na mesa.
O almoço foi tranquilo e, como era de se esperar, a fofoca corria solta. Claro que minha mãe era a precursora das notícias do bairro.
- Mãe, a senhora não me contou que Gianni Bittencourt faleceu.
Um silêncio medonho se instalou no recinto. As pessoas se olhavam, assustadas, como se aquele assunto fosse proibido.
- Como você soube disso, filha?
- No pub encontramos o neto dele, Rodolfo. Ele é amigo de Natasha.
- Pelo amor de Deus! – Gritou uma das convidadas, fazendo o sinal da cruz.
- Maldição! – Disse outra, levando as mãos ao rosto.
- Isso não pode acontecer! Sua neta precisa se afastar daquele rapaz. É muito perigoso, você sabe! – Falou outra convidada.
De repente, as pessoas começaram a falar ao mesmo tempo. Natasha e eu nos olhamos, sem entender nada.
- Mas que diabos deu nessas pessoas? Ficaram malucas?
Perguntei ao Álvaro, que estava rindo baixinho. Não pensei que, com todo mundo falando, iriam me ouvir. Mas ouviram e todos se calaram novamente.
- Alguém pode me explicar o que está acontecendo?
- Filha, mais tarde conversaremos. Agora é hora da sobremesa.
Rapidamente, minha mãe se levantou, pediu que Natasha a ajudasse a tirar a mesa e foi para a cozinha, voltando com os doces e Natasha com os pratos e colheres.
O assunto do falecido não foi mais falado. Eu estava curiosa para saber o motivo de tanto abalo por conta de um homem velho e morto, mas teria que esperar minha mãe me contar. Seja lá o que for.
Os ânimos pareciam ter sido contidos e os assuntos, apesar de ainda serem fofocas, estavam amenos.
Álvaro e eu fomos comer nossa sobremesa na varanda. Eu precisava sair daquele antro de mexeriqueiras. E isso incluía minha mãe, naturalmente.
- Você não deveria ter perguntado sobre o velho Gianni.
- Ora, por que não? Eu só quero entender o motivo de tanto mistério.
- Para falar a verdade, elas não fazem ideia do que falam, só passam adiante o que ouvem, sem evidências, obviamente.
- Passam adiante o que ouvem com uma certa pitada de invenções.
- Exatamente! Claire, quando sua mãe te falar sobre este mistério, promete me contar?
- Com certeza!
Nós rimos e ficamos tentando adivinhar como o velho Gianni havia falecido.
Um carro parou em frente à casa.
- Oi, tia! Nat está?
- Oi. Está sim. Aguarde, eu vou chama-la.
Antes que eu abrisse a porta, Natasha apareceu.
- Tia, já avisei meu pai que vou sair com Rodolfo.
- Onde vocês vão?
- Para a casa de um amigo dele.
- Onde fica essa casa?
- Ah, não sei, tia!
Desci as escadas, fui até o carro e perguntei ao rapaz onde ficava a tal casa. Ele me passou o endereço. Era na parte nobre da cidade.
- Não se preocupe, tia! Eu vou cuidar dela.
- Bom pra você!
Natasha me deu um beijo no rosto, entrou no carro e eles saíram.
- Não sabia que você era controladora.
- Não sou. É apenas cuidado.
- Sei. Por acaso esse seu cuidado não tem nada a ver com o mistério da morte do avô do garoto. Tem?
Eu apenas ri.
- Eu sabia!
A tarde com Álvaro estava agradável, até que ele recebeu um telefonema e a expressão em seu rosto era de preocupação.
- Está tudo bem, Álvaro?
- Claire, preciso ir agora.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não. Nada. Eu tenho que ir. Amanhã te vejo.
Ele me deu um beijo no rosto e saiu apressado. O que teria acontecido para ele sair assim, de repente? E tão nervoso? Pelo menos era o que parecia.
Entrei na casa e fiquei um pouco com minha mãe e as pessoas. Uma hora depois, me despedi e fui para o meu quarto. Eu estava cansada e com sono pela noite mal dormida e resolvi me deitar.
Não sei quanto tempo se passou e acordei com o meu telefone tocando.
- Mãe?
- Clarice? O que foi, filha?
- Mãe, eu quero voltar para casa.
- Por quê? O que aconteceu?
- Aqui está chato. Vem me buscar.
- Filha, você está muito longe daqui, não tenho como ir buscar você.
Minha filha começou a chorar.
- Por favor, mamãe!
- Clarice, o que houve, meu amor?
Ela não respondia, só chorava.
- Filha, passe o telefone para o seu pai.
Segundos depois, meu ex-marido atendeu.
- Carlos, Clarice me ligou e está chorando, me pediu para ir busca-la. O que aconteceu?
- Não aconteceu nada. Sua filha que é mimada demais.
- Sua filha? Nossa filha, você quer dizer. Eu quero saber porque ela está chorando.
- Sei lá! De repente, ela me pediu para voltar para casa, disse que está com saudade de você. Claro que eu disse não, mas ela não sabe ouvir um não. Puxou a mãe dela.
- Carlos, pelo amor de Deus! Não comece uma discussão inútil. Clarice não chora à toa, algo aconteceu pra ela estar assim e eu quero saber porque.
- Eu já disse que...
- Passe o telefone pra ela.
- Claire...
- Passe o telefone pra Clarice. Agora!
- Mamãe, você vem me buscar?
- Vou trazer você de volta pra casa. É isso mesmo o que você quer?
- É sim. Hoje?
- Hoje não dá, filha. Amanhã. Pode esperar mais um pouquinho?
- Posso.
- Ótimo. Agora me deixe falar com seu irmão.
- Ele não está aqui.
- Onde ele está?
- Ele saiu com uns amigos da nova mulher do papai. Não sei pra onde.
- Está bem. Quando ele chegar, você me telefona e diz que eu quero falar com ele. Combinado?
- Combinado. Mãe, eu te amo.
- Ah, filha! Também te amo! Muito, muito, muito!
- Eu amo mais.
Falei mais um pouco com minha filha até sentir que ela estava calma. Em seguida, comecei a pesquisar passagens de Londres para o Rio.
- Droga! Por que tem que ser tão caras?
Continuei pesquisando preços e horários de voos. Não importava o valor, o importante era minha filha ficar bem.
Horas depois, meu telefone toca.
- Mãe, Clarice disse que você quer falar comigo.
- Oi, filho. Você está bem?
- Sim. O que quer falar?
Contei a ele sobre Clarice.
- Filho, você sabe o que aconteceu para que sua irmã me telefonasse aflita?
- Eu sei. Estava tudo indo muito bem. Estávamos nos divertindo, até que Clarice ouviu a mulher do papai falando para as pessoas que nós não íamos mais voltar para casa, que vamos morar em Londres. Então, Clarice começou a chorar e disse que queria você e a mulher falou que ela nunca mais iria te ver.
- Filha da... Desculpe, filho.
- Tudo bem. Mãe, quando eu falei que queria morar aqui, não era sério. Eu só achei aqui muito legal, mas não quero morar com o papai. Nem eu e nem Clarice. Queremos voltar para casa. Queremos morar com você.
Não me contive e chorei. De ódio e de preocupação com meus filhos.
- Estou vendo passagem de avião para sua irmã voltar. É para eu ver pra você também?
- Sim. Mas o papai vai ter que pagar as passagens, mãe. Foi ele quem nos trouxe.
- Não acredito que ele queira fazer isso, já que, pelo que sua madrasta disse, a intenção dele não era trazer vocês de volta.
- Madrasta não! A mulher do papai. Ele mentiu para nós e para você também. Eu vou falar com ele, deixa comigo, mãe.
- Está bem, meu filho. Fale com ele e depois me diga o que ficou resolvido. Mas uma coisa eu garanto: vocês vão voltar para casa.
Passei mais uma noite sem conseguir dormir. Mas dessa vez, não foi por causa de pesadelos, por causa de meus filhos. Como o pai deles poderia pensar em leva-los de mim? Desgraçado!
Estava na cozinha tomando café, quando minha mãe entrou.
- Já acordou? Não ouvi você gritando esta noite. Está tudo bem?
- Eu nem dormi, mãe.
Contei a ela sobre as crianças.
- Canalha! Como ele tem coragem de tirar seus filhos de você e nem conversar sobre isso?
- Carlos Eduardo mudou muito depois que conheceu aquela piranha. Desculpe, mãe.
- Não tem que pedir desculpas, filha. Piranha é pouco para aquela desclassificada! Mas não tem desculpa o que ele fez com você e com seus filhos. Não se preocupe, Claire! Ele vai mandar as crianças de volta, por bem ou por mal.
Fui para o meu quarto, não queria conversar com ninguém. As horas se passavam e eu não tinha notícias do meu filho. Telefonei para o número de onde Clarice havia me ligado, mas não atendia. Mas algumas horas depois, o telefone tocou.
- Claire, as crianças embarcam no voo das 22 horas de hoje, no horário local. A previsão de chegada ao Galeão é às nove horas da manhã de amanhã.
- Ótimo! Deixe-me falar com eles.
- Isso não acabou, Claire!
- Acabou, sim! Eu não vou discutir com você, Carlos. Quero falar com meus filhos.
Falei com Matheus e Clarice e eles estavam bem, felizes por voltarem para casa.
- Mãe, eles estão voltando!
- Ah, graças a Deus!
- Vou viajar agora para garantir que eu esteja no aeroporto quando eles chegarem.
- Ah, filha! Está ficando tarde e não pára de chover. É perigoso você pegar a estrada à noite.
- Ainda é cedo, mãe! Antes de escurecer, estarei em casa. Eu te ligo quando chegar.
- Você vai voltar para cá?
- Sim! E com seus netos!
- Boa viagem, filha! Deus te acompanhe! Vai com cuidado!
Eu me despedi de minha mãe e saí. Na estrada, Álvaro me telefonou.
- Claire, por que não falou comigo? Eu teria ido com você.
- Foi tudo muito rápido. E eu também não quis incomodar.
- Ah, Claire! Você não me incomoda, nunca! Eu poderia dirigir pra você.
- Eu agradeço, Álvaro! Mas eu estou bem e gosto muito de dirigir.
- Você vai voltar?
- Vou, claro!
- Está bem. Amanhã nos veremos. Boa viagem!
- Obrigada!
Cheguei em casa e telefonei para minha mãe e para Álvaro. Tomei banho e esquentei a comida que minha mãe exigiu que eu trouxesse. Ainda bem, porque eu estava com muita fome!
Depois de comer, lavei a louça e fui me deitar. Apesar da ansiedade, consegui dormir rapidamente.
- Mamãe!
Minha filha gritou e correu para me abraçar. Meu filho também me abraçou.
- Como vocês estão?
- Agora, com você, estamos bem. Não é, Matheus?
- É sim, Clarice!
- Estão com sono?
- Eu não! Dormi a viagem inteira!
- E você, Matheus?
- Também dormi, mãe.
- Que bom! Eu disse para a vovó que voltaria para Teresópolis, mas se vocês não quiserem ir, a gente fica em casa. O que querem fazer?
Os dois quiseram ir para Teresópolis. Passamos em casa, refizemos as malas e logo pegamos a estrada.
- Meus netos lindos!
Minha mãe estava feliz com a chegada de Matheus e Clarice e não demorou a mimá-los com seus quitutes deliciosos. As crianças adoravam isso!
Passada meia hora, Álvaro chegou.
- Fez boa viagem?
- Sim! Apesar da chuva na estrada, viemos rápido.
- Você deveria ter me avisado, eu iria com você.
- Não foi necessário, Álvaro. Mas agradeço.
- Vamos ao pub hoje?
- Boa ideia! A que horas?
- Venho te buscar às 20 horas.
- Combinado. Estarei pronta.
- Podemos ir também? – Disse Natasha.
- Não. Vocês só podem ir às matines.
- Por favor, tia! Matheus quer conhecer.
- Vocês não vão entrar. Amanhã, se eles abrirem à tarde, prometo levar vocês, ok?
Natasha e Matheus saíram, desconsolados.
Álvaro foi embora e eu subi para um dos quartos para arrumar as camas para meus filhos e guardar suas roupas nos armários. Depois, tomei banho e quando ia descer as escadas, ouvi uma discussão em um dos quartos.
- Luna, não temos escolha! Precisamos fazer isso!
- Não vou deixar você vender meu apartamento! Nunca! E não quero voltar a morar nesta cidade! Jamais!
- Nunca, jamais! Parece que você não está entendendo! Não tenho mais como sustentar aquele apartamento. O condomínio está atrasado três meses! O que você quer que eu faça? Que assalte um Banco?
- Se for para manter meu apartamento, faça isso! Não me importo!
- Nosso apartamento, Luna! Nosso! E já está vendido. Só precisamos assinar.
- Não vou assinar nada!
- Ou você assina ou vamos perder o imóvel. Não tem dinheiro para pagar o IPTU, o condomínio, a escola das crianças... O dinheiro da rescisão é para nos mantermos até que eu encontre outro emprego.
Luna chorava copiosamente.
- Amor, por favor, não complique mais as coisas. Eu já conversei com sua mãe e ela disse que podemos morar aqui o tempo que for necessário. O dinheiro da venda do apartamento nós vamos guardar e assim que eu conseguir um emprego, compraremos outro imóvel, talvez até no mesmo condomínio.
- E se você demorar para arranjar outro emprego? Ficaremos aqui para sempre?
- Para sempre, assim como os seus “nunca, jamais”, é muito tempo. Amor, eu preciso de você, da sua compreensão e força. Pense nas crianças. Elas terão que se adaptar a outra cidade, outra escola, novos amigos e se você não me ajudar, quem mais vai sofrer, são elas.
- Claire poderia conseguir uma bolsa para Natasha e Nicolas. Ela é professora na escola e são sobrinhos dela, são da família. A gente pode comprar um imóvel mais barato e eu poderia trabalhar também.
- Seria ótimo! Tenho certeza de que Claire faria de tudo para ajudar, mas nossos filhos, como sobrinhos, não teriam direito a bolsa.
- Eu posso tentar. – Falei, entrando no quarto, sem pensar nas consequências.
- Você estava ouvindo a nossa conversa?
- Sim. Luna, Nicolas, me desculpem! Não tive intenção, foi sem querer.
- Ouvir atrás da porta não é sem querer. Você poderia ter ido embora.
- É. Você está certa. Mas fiquei preocupada. Sinto muito, Nicolas. Não sabia que você tinha perdido o emprego. Eu quero ajudar.
- Eu agradeço, Claire! Depois veremos isso, está bem?
Luna me fuzilava com seu olhar. Será que ela não conseguia deixar nossas diferenças de lado em um momento como este?
Apesar de minha mãe saber sobre os problemas que eles estavam atravessando, resolvi não comentar que eu também sabia.
Desci e, enquanto esperava por Álvaro, ouvi uma conversa entre as crianças. Hoje era o dia de ouvir atrás das portas.
- Lendas urbanas e nada mais.
- Pode até ser, Matheus! Mas pensa em tudo o que está acontecendo! Não é estranho?
- Estranho é você acreditar nisso. Alguém está querendo chamar a atenção e inventou essa história de terror. Vampiros? Os únicos vampiros que conheço são os políticos. - Matheus gargalhou! – Nat, acho que o seu namoradinho te contou essas coisas para impressionar você.
- Primeiro, ele não é meu namoradinho. Segundo, não é uma história de vampiros que vai me impressionar. E terceiro, se você não acredita nas histórias, por que não quer ir conosco ao castelo?
- Porque, como disse, vocês querem invadir uma propriedade particular e isso é crime.
- O castelo pertence à família de Rodolfo, portanto, não é invasão. Por favor, Matheus! Vamos! O que temos a perder?
- Nosso sangue? Afinal, vampiros habitam aquele castelo. – Novamente, Matheus gargalhou.
- Você é um idiota! Hoje à noite iremos ao castelo. Se mudar de ideia, sabe onde nos encontrar.
Percebi que Natasha ia sair do escritório e corri para a sala. Não queria ser acusada de ouvir atrás da porta outra vez. Embora seja verdade.
- Oi, tia!
- Oi, sobrinha! Está tudo bem? Você me parece nervosa.
- Está tudo bem! Vou tomar banho.
Pouco depois, Álvaro chegou e saímos para o pub.
- Você não disse uma palavra a caminho daqui. O que houve, Claire?
- Nada.
- Não está parecendo. Você sabe que pode falar o que quiser comigo.
- Eu sei. Não se preocupe, eu estou bem. Qual o nome daquela bebida que tomei no outro dia?
Álvaro fez os pedidos e bebemos. Conversamos sobre várias coisas, mas não comentei sobre a situação de Luna e Nicolas. Mas talvez fosse importante falar sobre a ideia de as crianças irem ao castelo. Álvaro nunca saiu da cidade e poderia saber algo sobre as histórias de vampiros.
- Álvaro, tenho algo para dizer, mas você vai achar uma bobagem.
- Claire, nada do que você diz é bobagem. Estou ouvindo.
- Aquele velho castelo dos Bittencourt ainda está abandonado?
Álvaro parou de sorrir na hora. Ele parecia tenso.
- Por que está me perguntando isso?
- Responda.
- Pelo que eu soube, o velho Bittencourt vendeu o castelo pouco antes de morrer.
- Tem alguém morando lá?
- Claire, porque está me perguntando essas coisas?
- Responda, por favor. Alguém mora lá?
- Não sei dizer. O castelo fica afastado da cidade, não vou muito para aqueles lados.
- Que horas são?
- São 20h45. Claire, o que está acontecendo?
- Precisamos ir ao castelo.
- Por quê?
- Vamos, Álvaro! Agora!
Entramos no carro em direção ao castelo. Contei a Álvaro o motivo de estarmos indo ao castelo e ele ficou apreensivo.
- Por que não impediu sua sobrinha de fazer isso?
- Porque hoje me meti demais na vida das pessoas. Rodolfo Bittencourt sabe que o castelo não pertence mais à sua família?
- Sabe, claro! Todos na cidade sabem disso.
- Então ele mentiu para Natasha. Ela pensa que o castelo ainda é da família.
- Por que ele faria isso?
- Não sei. Mas vamos descobrir!
CONTINUA...
Esta é uma história de ficção. Quaisquer semelhanças com nomes e acontecimentos terá sido mera coincidência.